Mostrando postagens com marcador livro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador livro. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O dia em que matei a professora dentro de mim




Comecei a trabalhar aos 14 anos. Em razão disso, minha aposentadoria também foi cedo. Então, ainda em pleno vigor intelectual, resolvi compartilhar o conhecimento acumulado participando do universo acadêmico. E não demorou muito e fui convidada a lecionar em uma universidade. A primeira turma foi o último semestre de alunos de um curso de marketing. Ao comparar a minha experiência com o grupo foi de susto. Minha didática era diferenciada. Era personalizada. Um dia solicitei a um aluno que fosse a biblioteca e trouxesse determinado livro. A resposta dele, de pronto: “professora, onde fica a biblioteca?”. Último ano. Último semestre. Certamente pegaria o diploma dali a seis meses e não sabia onde ficava a biblioteca na universidade. Pensei: este profissional está morto e não sabe.

Minha ação foi mergulhar em novos formatos e metodologia. Foi nesse momento que eu matei a professora que existia em mim. Queria ensinar e acabei aprendendo. Não, não cometi suicídio. Deixei de ser professora e tornei-me E-de-A (Estimuladora-de-Aprendizagem). Exterminei – simbolicamente – meus alunos e os transformei em aprendizes. Lembrei-me de Paulo Freire e pensei: também se alfabetiza na universidade. A relação mudou. A partir de então deliberadamente deixei de dar respostas e nem respondia qualquer dúvida, qualquer que fosse. Nem mesmo a indicação de um banheiro. A cada questionamento eu retribuía com outras perguntas. Instigava-os. A cada nova pergunta mais perguntas eu devolvia. E a biblioteca começou a ser frequentada. As aulas passaram a ser ministradas neste local. Virou ponto de encontro. As bibliotecárias constantemente me chamavam a atenção. Afinal, biblioteca não era sala de aula. Mas o comportamento da classe foi se modificando. Se no inicio tinham dois ou três frequentadores, ao final a turma toda comparecia. As aulas eram numa sexta-feira à noite. Ao redor da universidade dezenas de bares, festas, encontros, carros e quetais. Tinha todo tipo de atração.

Ao final do semestre os aprendizes passaram a me chamar pelo nome de um personagem de desenho animado que eu desconheço até hoje, por responder perguntas com outras perguntas. Mas, a propósito deste dia 15 de outubro, aprendi que as respostas ‘matam’ a cognição e as perguntas ‘avivam’. Salvei algumas pessoas da morte. Agora eu vivo um dilema: transformar em livro esta abordagem conceitual e prática. O título está pronto: MORTE AOS PROFESSORES. Sorry friends!